Com alguma modificação, para torná-la enigmática, a frase que dá título a essa exposição é de autoria de Epicuro, o filósofo que viveu entre 342 e 270 a.C., e que atraiu muitos discípulos para estudar em sua escola, o Jardim. Cultivando legumes e hortaliças, os epicuristas valorizavam o prazer. No entanto, em Epicuro, o prazer não é o gozo irrefreável que atualmente atrelamos à palavra; trata-se do prazer de viver rodeado de amigos, atento aos instantes simples de felicidade – o jardim! –, livre dos quatro medos que assolam os seres humanos: a morte, os deuses, a dor física, a impossibilidade do prazer. Quanto ao primeiro medo, eis o mistério do nosso título.
A exposição conjunta da produção artística de três grandes amigos, Dani Schiller, Flavia Renault e Jê Américo, tem ecos do tetrafármaco de Epicuro que, aliás, provavelmente consideraria vã qualquer curadoria que não curasse algum mal do espírito humano. O que poderia ser mais curativo do que uma exposição totalmente independente, mais do que off-off-Broadway, nesse sistema da arte tão exclusivista? E que prazer poderia ser mais refinado do que a liberdade de produzir e expor a própria arte?
Arte é um antídoto para o medo da morte, não só porque a boa arte é o que fica, mas porque é invenção, geração de algo que antes não existia e que perdura, para além dos nossos átomos. Mais ainda, a arte desafia as forças estagnantes, essas sim mortíferas, que circunscrevem o pensamento e o comportamento. Liberdade é antônimo de medo.
A arte também afasta o medo dos deuses, ou dos eventos contingentes, por ser um campo de contato constante com o imprevisível. Até mesmo um padrão geométrico aparece na tela primeiro como surpresa prazerosa e incontrolável, assim como o céu estrelado, pela arte, vira fonte de contemplação desinteressada e não de decodificação astronômica ou astrológica. E se não for campo de aprendizado do convívio com o inexplicável absurdo da existência, a arte pode ser o lugar da ilusão, o que também aplaca do medo do inesperado.
Para o terceiro medo, o fármaco artístico é escrever, desenhar, esculpir sobre a dor, amortecendo-a com o prazer da forma; usar a sensação lancinante para abrir fendas de acesso ao pouco conhecido, fazendo da dor a maçaneta que abre uma passagem: ir com a dor e voltar com um conhecimento sobre ser humano.
Por fim, a arte é sempre garantia de uma qualidade de prazer que não é nem só intelectual e nem só sensorial, mas é o prazer de um jogo estético no qual as capacidades do intelecto e da sensibilidade brincam juntas, livres e sem hierarquia. Esse jogo forma uma comunidade livre, dos amigos que frequentam um certo jardim. Cá estamos.
Paula Braga, 2023
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Para saber mais sobre Epicuro:
Epicuro, Cartas & Máximas Principais: “Como um deus entre os homens”. Tradução, apresentação e notas de Maria Cecília Gomes dos Reis. São Paulo: Penguin Companhia das Letras, 2020.
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